Sonhar grande, adianta alguma coisa? O Homem mais rico do Brasil, criador do Banco Garantia e do fundo 3G, controlador da AB Inbev, Heinz e Burger King, Jorge Paulo Lemann se define como um “grande sonhador”, muito menos do que um “bom executor”. Diz que teve sorte e capacidade em sua trajetória de encontrar pessoas, como seus sócios Marcel Telles e Beto Sicupira, que lhe proporcionaram uma visão de como o negócio deve ser executado para crescer bem e em escala global. O trio é um dos grandes símbolos de um modelo de gestão baseado em meritocracia, partnership e foco em resultados que moldou uma parte significativa da gestão empresarial brasileira nas últimas décadas.
Hoje, contudo, Lemann faz um adendo sobre o modo das pessoas projetarem seus sonhos e suas perspectivas. “Diria que meus sonhos grandes iniciais eram mais ligados a minha pessoa, que queria ser úm campeão de tênis, pegar as melhores ondas, fazer a melhor corretora. Hoje em dia, esse negócio de ser o maior gera certo desconforto, não está muito popular no mundo”, disse em palestra realizada nesta segunda-feira em São Paulo, durante evento de 25 anos da Fundação Estudar. Lemann cita o candidato democrata Bernie Sanders, que ganhou grande visibilidade durante as primárias das eleições dos Estados Unidos. “Veja o Bernie e a enorme ressonância que ele tem. E o que surpreende é que ele é contra tudo que é grande”. Lemann defendeu uma adaptação neste modo de “sonhar grande”. Sonhar grande atualmente, para ele, é continuar projetando ser o melhor – “afinal, sempre fui e sou competitivo” – mas com um olhar um pouco mais focado e, talvez, aceitar “ser um pouco menor”.
Durante a palestra, o bilionário comentou alguns momentos cruciais de sua carreira, as pessoas que mais lhe inspiraram e também dois almoços especiais que teve recentemente: com o empresário brasileiro Eike Batista e o empreendedor americano Elon Musk. Confira:
“Aos 19 anos, eu jogava torneio de tênis, fui entrevistado e me perguntaram o que eu queria ser e eu disse ali que queria ser campeão de tênis. Fui bem, mas nunca fui o melhor do mundo. Mas, aí, aos 40 e 50 anos eu ganhei o mundial de veterano. Não fui o melhor, mas dei uma enrolada e arrumei outro título parecido para me justificar. Sempre fui competitivo, sou, quero ser o melhor, quero fazer o melhor”.
“Eu perdi meu pai muito cedo e minha mãe sempre foi muito influente na minha vida. Isso porque ela me deu muita liberdade. Fui criado em um ambiente que podia fazer tudo e ela achava ótimo. Aos 14 anos, por exemplo, podia pescar com meus amigos sozinho em Cabo Frio, me virava em campeonatos de tênis. Minha mãe sempre, sempre ficou ali me estimulando a melhorar. Depois, adulto, tentei copiar as pessoas de sucesso que vi no exterior. No Goldman Sachs, por exemplo, tive bastante acesso ao sistema de partnership deles, o melhor do mundo para mim. Copiei muito o Jack Welch também. Ultimamente, tenho tudo muito contato com o Warren Buffett, um pessoa que tem muito a ensinar. Eu só gostaria de estar lendo mais. Mas não sobra muito tempo”.
“Parece até que eu tinha tempo para ficar pensando muito no que ia fazer. Eram momentos de ter que me virar para sobreviver e continuar andando para frente. Aos 26 anos, tinha me juntado a um pessoal de Harvard, mas nosso projeto faliu. Acabei optando por ficar no mercado de capitais, onde ainda achava que tinha melhor oportunidade. Não foram anos de grande sucesso. Juntei-me a uma corretora, não deu errado nem certo e só em 1971 que eu consegui fundar o que veio a ser o Garantia, uma corretora na época. Entre 61 e 71, minha mãe ficou muito aflita. Ela tinha grande esperança que eu fosse ser alguém, fazer algo significativo. Mas o que fiz foi pular de galho em galho tentando sobreviver. Para aqueles que estão pulando de galho em galho ainda, isso acontece, mas dá para continuar e chegar lá”
“Esse negócio de sonhar grande você estabelece uma direção, segue e vai em frente. Mas às vezes não dá. O Banco Garantia, por exemplo, que eu fundei e onde trabalhei por 27 anos, não vingou. Minha ideia era que fosse uma instituição permanente, tivesse longa durabilidade. Vejo que a prova se um empreendedor é bom não está em quanto dinheiro ele ganha, mas se o negócio que ele montou vai sobreviver aos próximos 30, 50 anos. O Banco Garantia acabou. Mas serviu de aprendizado e eu pude corrigir o rumo de umas coisas que estou tentando fazer agora”
“Desde a época do Garantia eu tomei cuidado. Apareciam lá uma porção de gênios dizendo que queriam trabalhar, mas já queriam de cara 10% do capital. Entre esses gênios, estão nomes famosos do mercado. Mas nunca aceitei esse tipo de relação… Quer vir? Vem, começa a trabalhar, daqui a pouco vira sócio pequeno e você aumenta. Sempre foi um processo gradualista, quase que darwiniano. Foi assim com Beto, Marcel, Claudio. Eu nunca optei por sociedades repentinas. Talvez, a única exceção, foi realmente com os belgas [quando se estabeleceu a Inbev]. Foi uma sociedade que não tivemos tempo para estudar muito, examinar e pulamos um pouco no escuro. Naquela época, tínhamos que escolher entre ser sapo grande num poço pequeno, que era mercado brasileiro, ou partir para tentar ser um sapo grande no mercado mundial. Valia a pena o risco e ficamos até surpreso que ele funcionou bem. Mas, em linhas gerais, sociedade é algo para ir se cultivando, namorando, como um casamento”.
“Eu acho que demorei um pouco para ter uma visão de longo prazo das coisas. Era carioca surfista, tenista, trabalhava na corretora no Rio. Mas gostaria de ter aprendido um pouco sobre ter uma visão mais de longo prazo e estar disposto a investir no longo prazo e com pessoas. Gostaria de ter aprendido isso antes. Além disso, a nossa cultura de corretora e mercado financeiro não era a de agradar o cliente ou de dar muita importância para seu consumidor. Com os anos, aprendi que se você quiser montar algo maior não há possibilidade de você fazer isso sem estar agradando as pessoas que estão comprando seus produtos”
“Na semana passada, eu estive com Eike Batista. Eike é um baita sonhador, empreendedor, e já está aí de novo pensando em 10 mil projetos. É um espetáculo em termos de empreender e o Brasil precisa muito desses empreendedores. Agora não teve a sorte, não escolheu as pessoas corretas. Ele pensa grande, mas não teve as pessoas que eu tive em volta e escolhi para me acompanharem e fazerem acontecer. Marcel, Beto, Claudio. Tive recentemente na Califórnia e encontrei-me com o Elon Musk, que é o sonhador da atualidade. Almocei com ele em um sábado. Ele é um malucão, mas deu 14h e ele me pediu desculpas. Disse que tinha que voltar para fábrica, porque havia um problema de produção com o Tesla. ‘Vou voltar para termos certeza que vamos preencher as cotas de produção do dia e, se não funcionar, eu vou dormir lá’. É um cara de grande realizações. Tem que executar bem. Sou primeiro a reconhecer que sonhar grande não adianta nada”
Fonte: Época Negócios