Em 2002, aos 20 anos, o empresário Thiago Oliveira vivia em São Miguel Paulista, na periferia de São Paulo, e decidiu largar um emprego de office boy para trabalhar como “agregado” em uma empresa de logística. Pediu o carro do pai emprestado e passou a fazer entregas de documentos e produtos, até estranhar alguns detalhes na rotina. Diariamente, os clientes recebiam duas visitas. Uma para a retirada de malotes, pela manhã, e outra para a entrega, no final da tarde. Oliveira percebeu também que a mistura nos mesmos veículos de documentos e produtos atraia mais a atenção de ladrões. “Resolvi sugerir ao meu chefe mudanças”, diz o empresário. Fazer uma só visita ao dia, para entrega e retirada, e limitar a atuação da empresa ao transporte de documentos, menos arriscado. “Mas não me deram atenção”, afirma. Sem espaço dentro da empresa, Oliveira resolveu montar o próprio negócio para colocar suas ideias sobre gestão em prática. Encontrou um sócio disposto a apostar R$ 17 mil e criou a IS Log & Services, de logística. Este ano, a empresa espera crescer 30% e faturar R$ 60 milhões, mesmo em meio à crise econômica enfrentada pelo país.
A história de empreendedorismo de Oliveira é similar a de muitas empresas tradicionais. Uma ideia simples, disciplina e muita transpiração. Mas, em tempos de culto à inovação disruptiva — startups, aplicativos, Uber a Airbnbs —, Oliveira acredita que a receita foi esquecida a ponto de desestimular potenciais empreendedores. “Hoje em dia, a molecada fica esperando ter uma grande ideia e não empreende”, afirma. “E não precisa ser assim.”
Para incentivar outras pessoas com o desejo de empreender, resolveu contar a própria história em livro e lança, no dia 22 de setembro, o título “Pense dentro da caixa – aprenda a enxergar oportunidades e empreenda em qualquer cenário”. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o conceito, oposto a um dos lemas mais populares no mundo dos negócios.
No seu livro, você defende que a ideia de “pensar dentro da caixa” para empreender e gerar inovação. É o oposto de um dos conceitos mais difundidos no mundo dos negócios. O quer dizer?
A caixa a que eu me refiro é a nossa vida. O nosso trabalho é uma caixa, a nossa escola, a faculdade, a família. Vivemos em “caixas”. É nesse sentido que afirmo que temos que criar oportunidades pensando dentro da caixa. A ideia é você olhar em volta, pegar o que já existe e faz parte da sua rotina e melhorar. Melhorar dentro da caixa. Melhorar processos. Processos são mal vistos nas empresas, porque são burocráticos. Ninguém gosta de fazer. Mas se você pegar processos que não são bem feitos, você consegue ganhar dinheiro. Pensar dentro da caixa é isso. As pessoas tem a ideia romântica de pensar “fora da caixa”. Mas a verdade é uma só. É difícil você pensar fora da caixa com uma rotina que te consome. Trabalho, escola, filhos. São muitos problemas para resolver. É legal pensar fora da caixa, mas nem todo mundo tem tempo. É mais fácil pensar dentro da caixa, pegar coisas que existem, que estão ligadas ao seu dia a dia, à sua rotina, e melhorar. Vão surgir novos Bill Gates, mas vai demorar. No caso de aplicativos no Brasil, não há nenhum unicórnio, novas empresas que valem mais de um bilhão de dólares. É muito difícil. O Vale do Silício é um mundo à parte. As pessoas ficam perdendo muito tempo pensando em lançar aplicativos que podem mudar o mundo. Então eu digo, pegue algo dentro da caixa e melhore. Você vai num restaurante, que é uma caixa, vai jantar. Percebe um processo que não foi bem feito e melhora. Empreende dentro daquilo que não funcionou. É essa visão que eu tento passar um pouco.
Por que processos são tão importantes?
O processo te permite escalonar. Com um processo bem feito, você tem um padrão. Hoje, todas as minhas filiais têm o mesmo padrão, têm processos bem definidos. É o que me permite ganhar dinheiro. Eu montei minha empresa sobre serviços que já existiam. Não reinventei nada, não fiz um aplicativo que revolucionou o mundo. Só melhorei o que existia. Só melhorei o processo. Se alguém tem uma visão de negócios para montar um aplicativo, se tem uma oportunidade de mudar o mundo, vá frente. Mas, à espera da grande ideia, muita gente não empreende.
É preciso então ter uma postura mais ativa, de buscar oportunidades.
Exato. Aplicativo é a febre do momento. Eu entendo. Mas a molecada hoje só pensa nisso.
Como você sabe se tem um processo bem feito?
Nunca está pronto, na verdade. Existe sempre a possibilidade de melhorar. Estamos sempre melhorando. A ideia é procurar sempre formas de fazer mais com menor custo. Toda vez que a gente vai mexer, a gente encontra uma oportunidade de ganho.
No livro, você também chama a atenção para coisas que parecem básicas em gestão. A valorização da equipe de vendas, definir os indicadores mais importantes para o negócio, pensar no futuro. Você acha que elas são negligenciadas pelos empreendedores?
Muito. Eu mesmo tive essa experiência. Eu passei muito tempo sem medir nada. Fiquei dez anos sem medir números importantíssimos da empresa. No final de 2012 para 2013, implantei na empresa um novo processo, uma rotina de reuniões de resultado mensais. Hoje, eu sento com todo o meu time e a gente trata do resultado do mês anterior. Mas eu demorei seis meses para conseguir implantar essa reunião. Um mês um departamento não conseguia entregar, outro mês era outro. É uma guerra. Porque toda mudança gera um estresse. Você precisa estar disposto a pagar esse preço. Eu também tive colaboradores que não se adaptaram, gente boa, inclusive. Mas não se gerencia o que não se mede. E fez diferença quando implantei. Em coisas que eu achava que estava indo superbem, eu estava indo mal. Em coisas que achava que estava mal, eu estava bem. E já era uma empresa com 230 funcionários. Hoje, quando eu vou conversar com muitas outras empresas mais ou menos do mesmo tamanho que a minha, é a mesma coisa. Não conhecem os números. Se eu tivesse feito o modelo de gestão que adotei em 2013 quatro anos mais cedo, certamente hoje estaria bem melhor. Mas eu nunca tive ninguém para me direcionar. Quando tive oportunidade, e estava precisando de ajuda, fui procurar. Estava crescendo tudo errado, torto, colocando gente. Estava perdido.
E quais os erros mais comuns dos jovens empreendedores?
Primeiro, contratar quem não pode demitir. Segundo, achar que ser líder é ser popular. Terceiro, e que eu falo muito, é esquecer de gerir os números, em geral. O quarto é não saber quais as suas responsabilidades dentro do negócio. Você vai ser sócio de uma empresa, mas qual vai ser a sua responsabilidade? Vai ser vender? Vai ser administrar? Vai ser o financeiro? Qual a sua parte dentro do negócio? Eu já cometi esse mesmo erro, querer fazer tudo. Acaba não fazendo nada bem feito. Fica que nem um pato. Voa mal, anda mal e nada mal. Em determinado momento, eu não sabia qual era a minha responsabilidade dentro do meu próprio negócio. Esse é um dos maiores erros. Você querer cuidar de tudo. Não, você não consegue cuidar de tudo. Ninguém consegue. O negócio é ter duas pessoas. Uma vendendo e uma administrando. Ou uma na operação, outra na venda.
Você falou de achar que ser líder é ser popular, explique melhor.
Um dos maiores erros que eu vejo em liderança hoje é o cara que acredita que agradando todo mundo vai ser um bom líder. É o que a gente mais vivencia aqui. O líder fica se adaptando ao colaborador. É onde o sujeito acaba errando.
Como surgiu a ideia de escrever o livro?
Várias pessoas vinham falar comigo sobre empreender. Inclusive colaboradores da empresa. E eu notei que muitas pessoas ficam aguardando uma grande ideia. Principalmente a molecada de hoje. Eu sempre falo que existem muitas oportunidades mudando processos. Foi pensando nesse pessoal que eu tive a ideia de escrever o livro.
Fonte: Época Negócio